segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Mundo Moderno





"Hoje eu acordei as 6 da manhã como de costume. Vesti meu terno, minha camisa, meus sapatos, minha calça social e fui pra cozinha tomar meu café. Na cozinha, minha esposa já havia preparado o café, a mesa, ela saiu mais cedo que eu, raramente nos encontramos pela manhã. Tomei meu café e fui chamar meu filho, que dormia profundamente, como todas as manhãs. Fui até a sala, abri meu notebook e fui relembrando a apresentação que faria na reunião da empresa e que fiquei preparando durante a madrugada. Eu dormi pouco. Eu durmo pouco...

Meu médico disse que dormir pouco está afetando o tratamento da hipertensão, e sobretudo o cigarro que ainda não consegui largar, e nem quero. Não estou preocupado com isso agora, tenho mais o que fazer.

Meu filho desceu a escada e sentou na mesa para tomar o café. Eu o observei longamente... ele está crescendo rápido... às vezes olho para aquele menino e não o reconheço, muito embora ele se pareça bastante comigo. Há muito tempo não tiramos umas férias em família, uma semana que seja. Não converso com ele, não sei do que tem medo, do que gosta de fazer, se está gostando de alguma menina da escola, quais são as suas expectativas para o futuro... oito anos, ele fez oito anos meses atrás e eu não sabia que presente dar, não sei o que ele gosta...

Minha esposa deu alguma coisa no nome dos dois. Eu via ele ali, sentado, não sei se ele sabe o quanto o amo... mas não diria isso para ele, ía ser uma situação estranha...

Fomos pro carro, ele colocou os fones de ouvido e eu fui me concentrando na minha apresentação enquanto o levava para a escola. Não pude deixar de perceber a frieza daquela situação rotineira... fiquei me perguntando se meu filho vai me tomar como exemplo e tratar seus filhos com a mesma frieza...

Ele saiu do carro quando chegamos na escola e eu continuei meu trajeto para o trabalho, mas hoje eu estava estranho. Me sentia estranho.

Cheguei na sala de reunião, me sentei com meus colegas, rimos, contamos algumas novidades, ouvi algumas piadas... eles não são meus amigos. As piadas não eram boas. As novidades eram pura hipocrisia "comprei um carro zero", "viajei pro exterior", "minha filha ganhou bolsa de estudos"... não querem compartilhar alegrias, querem produzir inveja, querem provar suas capacidades.

O chefe chegou, começamos a reunião, me levantei para expôr minha apresentação... e observei aqueles rostos olhando para mim, expressões frias, pouco interessadas, ah! Nem eu estava interessado no que tinha para dizer, eu estou cansado disso tudo, de não conseguir o reconhecimento que mereço, de ter de ser agradável àquelas pessoas, àqueles desconhecidos que fingem serem gentis mas no fundo torcem para o meu fracasso.

Saí para almoçar aborrecido. Não que isso não seja comum, mas estava realmente com uma sensação de tristeza, de frustração. Até a mocinha do restaurante, que destila juventude e vontade de trabalhar e ser prestativa, até ela que sempre fez me sentir acolhido... até ela tinha um ar falso hoje. Provavelmente ela percebeu que eu não estava nos meus melhores dias, porque me ofereceu um cafezinho por conta da casa. A mulher do caixa, que parece a pessoa mais infeliz do planeta, essa sim é sincera, honesta consigo mesma. Ela não distribui sorrisos gratuitos, e sabe de uma coisa, ela é que está certa! Meu psicanalista uma vez disse que se você finge felicidade para as pessoas, isso acaba te contaminando e você acaba ficando feliz de fato, mas isso não funciona comigo - e nem com ela. Já ouvi reclamações dos meus colegas sobre a mulher do caixa, pessoas muito falsas indignadas com a atitude da mulher, que nunca sorri e sempre te olha com olhar de desprezo. Se essa conversa tivesse aparecido pra mim hoje, certamente eu diria "ela é que está certa! Para quê sorrir sem vontade? Qual é, afinal, a vantagem de distribuir sorrisos falsos?"

Depois de mais algumas horas de um trabalho completamente inútil e que não me traz qualquer realização profissional, fiquei preso no trânsito de volta para casa. Os europeus é que estão certos, andando de bicicleta para lá e para cá, sentindo o vento nos cabelos e enxergando as pessoas que cruzam seus caminhos. Já perceberam como o carro não serve apenas para nos dar rapidez em nos locomover, mas também atrofia nossos músculos e nos mantém fechados em cápsulas egoístas, em que respiramos nosso próprio ar, ouvimos músicas do nosso próprio gosto e não precisamos lidar com mais ninguém senão com nós mesmos?

Em casa, minha mulher já tinha ido buscar nosso filho na escola e ele estava trancado no quarto, provavelmente com a cara colada naquele computador. Minha esposa veio me enchendo com um turbilhão de problemas em casa que eu deveria resolver, mas eu estava tão cansado que ouvia apenas uma voz abafada cacarejando por todo lado. Tem horas que eu quero morrer, me livrar disso tudo, dessas pessoas, desses problemas, dessa frustração toda. Mas hoje, eu olhei pra ela e vi que minha esposa está muito mudada. Lembro bem da mulher com quem me casei: tão graciosa, meiga, linda... ela era a coisa mais sorridente desse planeta, o sorriso mais sincero que já havia visto e faz um tempo que não vejo mais. Nem nas fotos, que geralmente retratam momentos felizes, nem ali parecem sinceros. Hoje ela está com profundas marcas de expressão pelo rosto, e seu corpo já não é esguio como antes. Depois de pensar um pouco, percebi que não lembro quando foi a ultima vez que fizemos amor... e realmente me assustei.

Sobi até o quarto lentamente, ouvi ela me perguntando se me sentia bem, mas não respondi. Me olhei no espelho, e pela primera vez percebi que estou velho. Não pode ser, sou jovem, mas encontrei rugas, cabelo branco e todas essas coisas que a gente não vê nas mulheres porque elas têm os recursos para esconder a passagem do tempo. Ainda que eu não achasse algo bem gay, não usaria essas coisas pra esconder minha idade. Qual é a lógica disso? Para quê parecer mais jovem? Se eu envelheci antes do tempo é porque já não me resta muitas alegrias na vida que me rejuvenesçam então a quem quero enganar? Meu rosto transparesce bem tudo que eu sou e o que eu vivo. Eu vivo? Não sei se posso chamar toda essa rotina tediosa e sem razão de vida.

Para mim, que sempre fui tão lógico e prático, é difícil me encontrar em uma situação em que não existe saída, sabe... quer dizer, eu consigo identificar todos os fatores que fazem da minha existência a coisa mais banal possível, mas realmente não vejo meios de arrumar isso. Minha esposa veio dormir comigo, virou para o lado. Deve ser aí que o sujeito passa a se dedicar a alguma religião, para dar algum sentido na vida... a verdade é que falta uma resposta, do porquê disso tudo.

Hoje eu me sinto estranho, mas sei que amanhã tudo volta ao normal. Não sei se quero, mas não tenho escolha. E antes que comece a contar da sua vida, saiba que não estou interessado em ouvir".


- Esboço de um monólogo escrito por Ísis Brito. Será que o cara ta entediado, minha gente?




---------------------------------------------------------------------------



Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...